Museu Romântico - pensamentos

quinta-feira, 28 de março de 2013

Aniversário



Germana Tânger [1] diz o poema «Anivesário», de Álvaro de Campos,
no programa «Câmara Clara», da RTP 2

ANIVERSÁRIO

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim mesmo,
O que fui de coração e parentesco,
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino.
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho...)
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa.
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado —,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...
Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!...
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...
15-10-1929
Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993).
  - 284.
1ª publ. in Presença, nº 27. Coimbra: Jun.-Jul. 1930.

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[1] Germana Tânger (1920-2018), graduou-se na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa onde, nos anos de 1940, integrou o Grupo de Teatro, então dirigido por Manuel Tânger Correia,  com o qual veio a casar em 1948. Na mesma altura, começou também a declamar poesia, tendo privado com vários dos maiores poetas do seu tempo, como Almada Negreiros, Sofia de Melo Breyner, José Régio e Jorge de Sena, entre outros.
Viveu em Paris, onde tirou o curso de dicção de George Le Roy e lecionou na Universidade de Sorbonne.
Como divulgadora de poesia, percorreu todo o Portugal, com a Pró-Arte, e para além dele, no estrangeiro, incluindo América, África e Ásia, acompanhada por vezes pelo pianista Adriano Jordão.
Foi professora de dicção, ou "Arte de Dizer", no Conservatório Nacional, durante 25 anos, e teve vários programas na Radiodifusão Portuguesa e na Radiotelevisão Portuguesa.
Dirigiu, encenou e adaptou vários espetáculos, entre outros, no Festival de Sintra, na Torre de Belém, no Teatro Municipal de São Luís e no Festival de Teatro de Almada, no qual foi homenageada em 1998, e terminou a sua carreira artística com um espetáculo no Teatro da Trindade, em Novembro de 1999, após o que, a 11 de Março de 2000, foi condecorada como Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique.
Foi agraciada pela Câmara Municipal de Lisboa com a Medalha Municipal de Mérito Grau Ouro a 14 de Maio de 2010.
Para mais informação, ler este artigo do JN .

sexta-feira, 15 de março de 2013

Um Fernando Pessoa






Sinopse| E se Fernando Pessoa se encontrasse com os seus quatro heterónimos num Café, para discutirem a criação de uma Revista, e decidissem que deviam deixar de existir como pessoas e transformarem-se em personagens fictícias, fruto da imaginação de uma única pessoa?

Atores| 

Vitor d'’Andrade
Francisco Tavares
Nuno Távora
André Patricío
André Teodósio
Patrícia Roque

Ficha Técnica| 

Assistente de Realização -- Dília Brito
Montagem de Imagem -- Carlos Madaleno
Som -- Ricardo Leal
Direcção de Arte -- Paulo Braga
Assistente de Imagem -- Tiago Almeida
Operador de Câmara -- João Natividade
Direcção de Fotografia -- André Szankowski
Produção -- Emidio Miguel e Carla Capela
Direcção de Produção -- Ana Pinhão Moura
Montagem e Pós-Produção de Som -- Indigo

sexta-feira, 8 de março de 2013

Serão Poético - Fernando Pessoa (ele e alguns dos outros) - 8 de março de 2013



Eu adoro todas as coisas
E o meu coração é um albergue aberto toda a noite.
Tenho pela vida um interesse ávido
Que busca compreendê-la sentindo-a muito.
Amo tudo, animo tudo, empresto humanidade a tudo,
Aos homens e às pedras, às almas e às máquinas.
Para aumentar com isso a minha personalidade.
Pertenço a tudo para pertencer cada vez mais a mim próprio
E a minha ambição era trazer o universo ao colo
Como uma criança a quem a ama beija.

Eu amo todas as coisas, umas mais do que as outras —
Não nenhuma mais do que outra, mas sempre mais as que estou vendo
Do que as que vi ou verei.
Nada para mim é tão belo como o movimento e as sensações.
A vida é uma grande feira e tudo são barracas e saltimbancos.
Penso nisto, enterneço-me mas não sossego nunca.

Dá-me lírios, lírios
E rosas também.


                                            Álvaro de Campos

(A reportagem fotográfica está aqui.)